segunda-feira, 5 de julho de 2010

Ceratocone: de volta para o futuro - o que esperar?

A literatura médica científica data de mais de dois séculos atrás referências a patologia do ceratocone, sendo que aproximadamente em 1748 um trabalhode doutorado realizado pode ter sido a primeira constatação da patologia. Em 1869 um grupo de oftalmologistas iniciou estudos para moldar a córnea utilizando nitrato de prata, sendo o primeiro registro de um possível tratamento cirúrgico para o ceratocone.


Por diversas décadas ela permaneceu sem respostas, os tratamentos iniciais surgiram apenas em 1888 com a adaptação de lentes esclerais, chamadas de "Flushing Shells" ou conchas de fluido que eram adaptadas através de moldagem do olho do paciente. Por cerca de várias décadas a utilização de lentes esclerais era o tratamento disponível para o ceratocone.


Com o surgimento das lentes de contato corneanas de diâmetros menores e com a utilização de polímeros de metametil metacrilato (pmma) novos desenhos de lentes menores surgiram e foram então aos poucos tomando o lugar das lentes esclerais e estas aos poucos foram abandonadas por grande parte dos especialistas. Algumas décadas depois, por volta dos anos 70 a 80 surgiram os primeiros materiais feitos com permeabilidade ao oxigênio, as lentes acrílicas duras não permitiam até então uma adequada oxigenação corneana e dependiam exclusivamente da lágrima para transportar o oxigênio para a região do epitélio corneano onde se encontrava a lente. Nos anos 70, Joseph W. Soper desenvolveu uma lente, chamada de lente Soper para melhorar a adaptação no ceratocone, uma vez que os desenhos existentes apresentavam limitações técnicas e comprometiam o sucesso das adaptações. É uma lente que até os dias de hoje ainda é fabricada por diversos laboratórios nos EUA onde ela surgiu e em vários países incluindo o Brasil. Outrros desenhos surgiram na época mas esta foi a que realmente teve o maior impacto na adaptação de lentes especiais para o ceratocone no mundo pelos melhores resultados obtidos.


Atualmente existem novas lentes de contato rígidas gás permeáveis com desenhos mais sofisticados, entre elas se destaca a Rose K por ser a "lente mais adaptada no mundo" através de um sistema de licenciamento da marca para fabricantes em vários países, a Ultracone que é fabricada unicamente no Brasil pelo laboratório Ultralentes e que apresenta resultados excepcionais mesmo nos casos mais complexos. Esta lente pode ser muito útil quando não se tem bom resultado com as demais lentes especiais para córneas irregulares como o ceratocone. A infinidade de novos desenhos e tecnologias desenvolvidas no mundo atualmente é grande, vão desde desenhos com quatro quadrantes de curvatura até desenhos de lentes semi-esclerais rígidas gás permeáveis e desenhos híbridos de lentes rígidas no centro com uma saia gelatinosa, apesar de que esta idéia não é nova. No século passado foram desenvolvidas as lentes Saturno I e Saturno II que não tiveram o sucesso que se imaginou na sua concepção, que apresentava problemas entre eles o descolamento da "saia" gelatinosa periférica. Lentes gelatinosas para ceratocone foram desenvolvidas embora a experiência tenha mostrado que estas lentes tem limitações a ceratocones iniciais a moderados e a acuidade visual não é totalmente corrigida, restando muitas vezes astigmatismos residuais que podem incomodar o paciente.


Na área cirúrgica houve enormes avanços nas últimas décadas, a começar pelo aprimoramento das técnicas cirúrgicas de transplante de córnea, com cirurgiões cada vez mais experientes e com o desenvolvimento de novas técnicas como o transplante lamelar e a técnica do Intralase que utiliza o femtosecond laser para realizar cortes na córnea receptora e no botão do enxerto de maneira que ambos tenham um encaixe mais perfeito no procedimento que resulta em uma córnea mais regular e uma recuperação mais rápida que nos metodos tradicionais. É importante salientar que cada caso deve ser estudado individualmente pelo especialista, nem todos tem a mesma indicação portanto o procedimento indicado pode variar de um caso para outro. O tratamento cirúrgico de transplante de córnea é extremamente invasivo e requer grande cuidado e acompanhamento do paciente.


A utilização da técnica de implante de anel intraestromal como anel de Ferrara, Kerarings e Intacs são menos invasivos e reversíveis. O propósito destaq técnica é deter o avanço da patologia e ao mesmo tempo regularizar o máximo possível a irregularidade corneana no eixo visual para melhorar a visão do paciente. Por serem procedimentos menos invasivos a incidência de complicações é baixa especialmente quando realizada por cirurgiões experientes e o diâmetro e posição dos segmentos do anel são posicionados corretamente. Há relatos de pacientes que tiveram excelentes resultados com este procedimento, inclusive de não precisar de óculos ou lentes de contato após o procedimento e há também os casos de pacientes que relataram que não melhrou a acuidade visual ou que tiveram extrusão de um dos segmentos, possivelmente pelo posicionamento incorreto ou do túnel onde os segmentos são inseridos ou pela utilização de segmentos maiores ou menores que os necessários.


Um outro procedimento que é bastante atual e está causando uma grande repercussão no mundo é a técnica do "crosslinking" (crosslinking de colágeno de córnea com Riboflavina sob luz Ultravioleta) ou CXL. Esta técnica, desenvolvida em Dresden na Alemanha, consiste em remover o epitélio corneano por raspagem ou diluir com uma solução de álcool específica e depois pingar o colírio de riboflavina ao longo do procedimento e aplicar uma luz ultravioleta sob intensidade, tempo e distância controlados. Isto faz com que ocorra um maior cruzamento das fribras de colágeno corneano, aumentando a resistência biomecânica da córnea. O propósito da técnica, assim como no implante de segmentos de anel intraestromal é deter a progressão do ceratocone. A literatura tem mostrado que o procedimento faz com que exista uma leve diminuição da irregularidade corneana, com um aplanamento da curvatura corneana de cerva de 1.5 a 2 dioptrias, com ganho de uma ou duas linhas de visão, embora esse fenômeno não ocorra sempre e tenham ocasionamente outros efeitos indesejados como haze corneano e a recidiva de progressão.


A utilização de técnicas combinadas já vem sendo feita em alguns países há mais tempo e no Brasil há especialistas que inciaram a técnica de combinações sequenciais de procedimentos como implante de anel e crosslinking e eventualmente associados ainda com cirurgia refrativa topo-guiada com a finalidade de melhorar ainda mais a regularização da superfície corneana, melhorando a possibilidade de utilização de óculos ou lentes de contato menos complexas nestes pacientes. Segundo alguns oftalmologistas a técnica utilizando laser não tem finalidade de correção óptica do defeito visual em sua totalidade, mas sim tornar a córnea um meio refrativo mais uniforme que possibilite uma melhor correção visual posteriormente, seja por óculos, lentes de contato gelatinosas, descartáveis ou rígidas gás permeáveis.


Somando as novs técnicas desenvolvidas, há ainda os estudos realizados com radiofreqüência e Keraflex (microondas) que ainda tem muito a serem estudadas ainda. Há estudos sendo realizados com células-tronco que visam desenvolver uma técnica de reconstrução do tecido corneano afetado. Não resta dúvidas que a procura por alternativas de tratamento cirúrgico do ceratocone nunca foi tão largamente estudado. Na minha opinião poderia dizer que o este milênio representa uma revolução nas alternativas de tratamento não somente cirúrgico mas óptico com lentes de contato de maior sofisticação tecnológica.



E a causa? E a prevenção?


A primeira coisa que eu acredito que todo o oftalmologista que tem o ceratocone na sua prática diária diz ao seu paciente com suspeita ou diagnóstico de ceratocone frusto, inicial ou mais avançado seria o de não coçar os olhos. Todos os estudos envolvendo a etiologia do ceratocone são determinantes no sentido de apontar o coçar dos olhos freqüente ou com muita força são sempre observados em todos os estudos. Em uma comunidade de portadores de ceratocone no Orkut uma pesquisa mostra os seguintes resultados para uma enquete realizada com a seguinte pergunta: Você coça muito os olhos?

Um total de 144 membros da comunidade responderam a enquete, com os seguintes resultados:


Sim, coço com freqüência todos os dias...86 votos (59,8%)

Sim, mas apenas em certas épocas..........42 votos (29,2%)

Raramente coço os olhos........................12 votos (8,3%)

Não coço os olhos.................................4 votos (2,7%)

Embora a amostragem não seja grande, ela é suficiente para alertar que o ato de coçar os olhos representa um estresse mecânico que deve estar associado ao surgimento e a progressão da patologia. Entretanto o ato de coçar os olhos possivelmente é um sinal de que outros fatores que podem influenciar ou serem o gatilho que irá determinar o surgimento da patologia. Os estudos envolvendo a pesquisa para descobrir a(s) causa(s) do ceratocone são muitos, passam pelo estudo da genética a doenças associadas, revelam que ocorre um processo oxidativo na córnea e que por alguma razão os anti-oxidantes não são capazes de neutralizar esta ação. Um importante questão a considerar é a qualidade da lágrima também, se o ph está alterado, pacientes com alguma instabilidade lacrimal, com mais ou menos mucina, que papel os agentes enzimáticos tem, são temas que serão cada vez mais estudados a partir desta década de 2010.


Um outro fator que pode ter alguma relação com o surgimento da patologia e sua progressão é a questão emocional do paciente. Observamos no IOSB que alguns pacientes tiveram o surgimento da patologia ou episódios de progressão em momentos da vida que enfrentaram problemas graves ou de profundo consternamento, como a perda de um ente querido, uma separação ou desavença, depressão ou mesmo o estresse do trabalho, a preparação para vestibular, a pressão acadêmica, entre vários fatores. Outra questão que pode influenciar de maneira indireta é a alimentação mais saudável e o controle do estresse, de ter maior facilidade e preparo físico e mental para enfrentar as dificuldades da vida. Pudemos nestes últimos 10 anos observar que alguns pacientes tiveram uma diminuição da curvatura da lente adaptada para o ceratocone, uma córnea mais saudável e menos frágil, como um processo natural. Os pacientes observados tiveram mundanças significativas de comprotamento perante a vida, cuidando de sua saúde com uma alimentação equilibrada e saudável, uma maior disposição e energia para tudo, além de uma sensação de bem-estar geral. Os motivos que geraram estas mudanças comportamentais foram diversos, entre eles o de melhorar exames de sangue que não estavam bons, a decisão de ter um corpo mais saudável e sentirem-se bem, ou mesmo a vontade de seguir uma dieta balanceada com orientação profissional.


O que estes fatores podem influenciar na patologia do ceratocone? Será que um desequilíbrio bioquímico pode ser causado por uma baixa da imunidade por exemplo, resultado de uma vida com estresse a níveis elevados ou uma perda, depressão poderiam agir como gatilhos desse desequilíbrio? E o contrário, predisposição genética sem o gatilho referido, o paciente terá ceratocone de qualquer forma? ele evoluirá da mesma maneira? Qual o papel da lágrima nessa questão, a presença de maior ou menor conteúdo de mucina poderia afetar esta questão e provocar sozinha um processo de estresse oxidativo da córnea com menos anti-oxidantes para restabelecer o equilíbrio?


Uma pesquisa feita com 141 membros na mesma comunidade de ceratocone no Orkut sobre o assunto com a seguinte pergunta abaixo, revela:


Você teve alguma grande tristeza, estresse ou depressão ANTES de surgir o ceratocone ou ANTES de aumentar o seu ceratocone?


Sim, antes de surgir o ceratocone..................37 votos (26,3%)

Sim, antes de haver uma progressão maior......33 votos (23,4%)

Não estou bem certo, mas é possível que sim.....26 votos (18,5%)

Não lembro ou não sei..................................18 votos (12,8%)

Não tive problema de ordem emocional............27 votos (19,0%)


O fato de aproximadamente a metade das respostas apontarem que houve de fato um fator emocional antes de surgir o ceratocone ou de ocorrer uma progressão do caso, é suficiente para que um estudo com maior tempo de acompanhamento seja realizado? Temos ainda o fato de que cerca de 21% das respostas admitem que pode ter ocorrido tal situação.

Um comentário:

  1. Olá blogueiro,
    É muito importante incentivar a doação de órgãos e conscientizar as pessoas sobre a importância deste gesto de solidariedade.
    Para ser doador de órgãos não é preciso deixar nada por escrito. O passo principal é avisar a sua família sobre sua vontade. No entanto, os familiares devem se comprometer a autorizar a doação por escrito após a morte.Divulgue a ideia e salve vidas!
    Para mais informações: comunicacao@saude.gov.br
    Ministério da Saúde

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