terça-feira, 3 de novembro de 2009

Reflexão para uma cultura musical de negação do forró da baixa-cultura - Por Antônio Neves Filho

Parto de uma reflexão do escritor e multi-culturista Ariano Suassuna, para corroborar com outras reflexões que se fazem urgentes, na provocação da defesa da cultura e das artes e seus vários instrumentos de formação e inserção sócio-cultural nos dias de hoje, quando somos violentados corriqueiramente por vários instrumentos de depreciação cultural, seja regional ou nacional, e para esta reflexão, os que acometem a música nordestina, onde as ditas e famosas “bandas de forró” vem ocupando espaços cada vez mais de destaque, como forma concebida e afirmativa da expressão cultural do nordeste. Ariano Suassuna começa sua provocação destacando a seguinte situação patrocinada por uma “banda de forró”. “_Tem rapariga aí? Se tem, levante a mão!” A maioria das moças levanta as mãos, diante de uma platéia de milhares de pessoas, quase todas muito jovens, pelo menos um terço dos presentes, adolescentes. O vocalista da banda que se diz de forró grita aos berros seus bordões prediletos (dele só não, de todas as bandas do gênero), como: gaia, cabaré, puteiro, e faz apologia desmedida ao consumo do álcool sem discriminação, com uma ênfase simbólica na cachaça. Situações como estas acontece em qualquer lugar onde as tão afamadas “bandas de forró” se apresentam. Nos anos 70, e provavelmente ainda nos anos 80, qualquer banda ou vocalista com esta atitude teria dificuldades em deixar a cidade após um show.
Em uma matéria jornalística, Ariano Suassuna destacou, no período junino passado (2008), algumas músicas bem representativas deste cenário musical atual, que assolam o nordeste inteiro e já tem espaço na mídia nacional. Assim relata o mesmo “(...) Não vou nem citar letras, acreditando que este artigo vai ser lido por pessoas de bom senso, e de alto cabarito intelectual e cultural. Mas me arrisco a dizer alguns títulos, como os cantados por: Calcinha no chão (Caviar com Rapadura), Zé Priquito (Duquinha), Fiel à putaria (Felipão e Forró Moral), Chefe do puteiro (Aviões do forró), Mulher roleira (Saia Rodada), Mulher-roleira a resposta (Forró Real), Chico Rola (Bonde do Forró), Banho de língua (Solteirões do Forró), Vou dá-lhe de cano de ferro (Forró Chacal), Dinheiro na mão, calcinha no chão (Saia Rodada), Sou viciado em putaria (Ferro na Boneca), Abre as pernas e dê uma sentadinha (Gaviões do forró), Tapa na cara, puxão no cabelo (Swing do forró). Esta é uma pequeníssima lista do repertório das atuais “bandas de forró” que animam festas por todo o país, inclusive, as patrocinadas com o dinheiro público nos aniversários de cidades, em quermesses, festas de padroeiras, vaquejadas, entre tantas outras.
Ainda na sua reflexão Suassuna diz que _ porém o culpado desta desculhambação, não é culpa direta e exatamente das faladas “bandas de forró, já que na grande parte delas, cantores, músicos e bailarinos são meros empregados do cara que investe no grupo. Eu acrescento que, são estas bandas, nesta lógica de produção da indústria fonográfica, para o consumo popular, meros reprodutores daquilo que a sociedade se propõe a vender e a comprar e nesses casos, a ouvir e dançar sem medir seu real valor. Diante deste cenário, Ariano Suassuna faz um paralelo com o Turbo Folk. Um subgênero musical que misturava pop, com música regional sérvia e oriental, que surgiu na antiga Iugoslávia, quando o país estava esfacelando-se, dilacerado por guerras étnicas, em pleno governo do tresloucado Slobodan Milosevic. Ele destaca que naquele momento, as estrelas da Turbo Folk vestiam-se como se vestem as vocalistas e bailarinas das “bandas de forró”, parafraseando Luiz Gonzaga, “(...) as blusas terminavam muito cedo, as saias e shorts começavam muito tarde”. Tal situação, só incentivou uma música que destruiu o bom-gosto e relevou o primitivismo e a banalização estética, pegando em cheio uma juventude que perdeu a crença nos políticos e nos valores morais de uma sociedade dominada pela corrupção e pela máfia. Para Ariano Suassuna, o que se autodenomina “forró estilizado” continua ao vento em popa. Tomou o lugar do forró autêntico e de raiz, nos principais arraiais juninos do Nordeste e nas grandes emissoras de rádios também. Sem falso moralismo, nem elitismo, um fenômeno lamentável, e merecedor de maior atenção, diz ele e continua _ Quando um vocalista de uma banda de música popular, em plena praça pública de uma cidade, com presença de autoridades competentes (e suas respectivas patroas) pergunta “se tem rapariga no salão”, alguma coisa está fora de
ordem. Quando canta uma canção (canção?) que tem como tema uma transa sexual entre uma moça com dois rapazes (ao mesmo tempo), e o refrão é “É vou dá-lhe de cano de ferro/e toma cano de ferro!', alguma coisa está muito doente. Sem esquecer que, uma juventude cuja cabeça é feita por tal tipo de música, é a mesma juventude que vai tomar as rédeas do poder daqui a alguns poucos anos - completa o escritor - e também determinar os novos padrões de comportamento nas sociedades advindas do modelo atual.(grifo nosso). O que temos diante de nós, é a exposição de uma crise de degradação social, com perdas e desprezo pelos mais simples e elementares valores humanos e culturais, em casos como estes, permitido pela internalização da produção e consumo de uma musicalidade vazia de propostas e bens morais positivos, por estar prostituída e ser desnecessária para os ouvidos de quem quer que seja. Por esta lógica, muitos não percebem que a violência doméstica, a depravação da sexualidade infanto–juvenil, as drogas e o alcoolismo, a banalização dos costumes e das tradições, entre outros desconfortos sociais, surgem associados e em decorrência da manutenção desses baixos elementos de consumo de massas, que são permitidos pela família, nas escolas e/ou espaços de lazer, retratados como peças únicas e indispensáveis para fins de diversão e aceitação popular. Ao se expandir no corpo social coletivo, estas inferiores modalidades musicais que se impõe como ritmos a serem consumidos, festejados e reproduzidos sem autocrítica ou questionamentos de sua utilidade, se padronizam dentro de uma mentalidade em que os papeis e as atitudes negativas a que submetem o sujeito social, promovem a inversão dos seus valores e comportamentos mais afetivos. Por isso, no inconsciente dessas relações sociais atuais, declarar que “(...) você não vale nada, mas eu gosto de você”, não é apenas um refrão ingênuo como declaração de desprezo ou afeto por alguém, mas uma negação mecânica e constante de nossa condição humana e cultural. Antônio Neves de A. Filho,Professor

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